Pela primeira vez, as sete testemunhas que acusam Marcius Melhem de assédio falaram sobre o caso sem recorrer ao anonimato. O ex-diretor do Núcleo de Humor da TV Globo foi denunciado em dezembro de 2019 pela atriz Dani Calabresa ao compliance da emissora. O caso se tornou público após uma publicação da Revista Piauí, após a demissão de Melhem, que é investigado desde 2020 pela Delegacia da Mulher do Rio de Janeiro. O ex-diretor processa Calabresa por danos morais.
Nesta sexta-feira (24), em mais um desdobramento do caso, a coluna do jornalista Guilherme Amado, do site “Metrópoles”, publicou duas longas entrevistas em que testemunhas de acusação e o próprio acusado falam sobre tais episódios. Além de Marcius Melhem, falaram com o colunista as atrizes Dani Calabresa, Renata Ricci, Georgiana Góes, Veronica Debom, Maria Clara Gueiros, as roteiristas Luciana Fregolente e Carolina Warchavsky, os diretores Cininha de Paula e Mauro Farias, e os atores Marcelo Adnet e Eduardo Sterblicht.
Desconstrução camuflava assédio
“Estava insustentável trabalhar em um ambiente em que eu comecei a perceber que eu era barrada dos convites; que eu não era liberada para as coisas; que eu estava trabalhando com tremedeira; que ele se aproveita das brincadeiras para brincar ereto; que ele pega de verdade; ele tenta enfiar a língua de verdade. Não é selinho, não é piada, não é brincadeira”, acusa Dani Calabresa ao descrever um ambiente de trabalho tóxico, em que posturas assediosas eram camufladas por uma ideia de descontração.
“O que me chamava mais atenção era uma certa falta de vida pessoal. Ele queria transformar aquela coisa do trabalho, a espontaneidade das relações profissionais, para a vida dele”, contou o ator Marcelo Adnet, ex-marido da humorista.
Melhem, por sua vez, rebateu as acusações que lhe foram feitas, embora tenha reconhecido ter errado com algumas das mulheres que o denunciaram. Sobre Dani Calabresa, que se tornou sua principal acusadora, ele admite que pode “ter passado do ponto”, mas diz não ver essas situações como um caso de assédio.
“Ela nunca me disse ‘não’. Só disse ‘sim’. Você não pode desdizer que você tinha uma intimidade, que você brincava. Se a Dani Calabresa tivesse me dito em qualquer momento: ‘Não, não quero’, ou dado a entender isso, eu teria parado imediatamente. Ela me dava sinais repetidos de que existia uma intimidade entre nós, de que podia acontecer”, disse.
Mas Calabresa rebate o argumento. “Não tem um manual de instrução para lidar com uma situação que te deixa constrangido. Eu lidava com brincadeira, sabe? Ele fala: ‘Tá gata’. Eu ponho: ‘Deus te pague’, ‘É porque você não viu o buço’, ‘Sai tudo no banho, a maquiagem sai’, ‘Obrigada pelo elogio, mas é um amigão’. É piada”, afirmou ela na entrevista.
Ambiente de trabalho tóxico
As atrizes Georgiana Góes e Veronica Debom corroboram com a humorista ao relatarem que, embora o ambiente fosse inicialmente percebido como divertido, a toxicidade se tornou evidente com o tempo. Debom também acusou Melhem de não dar créditos aos funcionários em alguns projetos e de minar a autoestima da equipe para mantê-la sob controle.
Conforme os relatos, o ambiente tóxico levou alguns funcionários a se afastarem por meses. A roteirista Carolina Warchavsky, que entrou na Globo logo após se formar, teve ataques de pânico após alguns meses trabalhando com Melhem e precisou tirar uma licença médica. A denúncia da atriz Dani Calabresa ao compliance da Globo sobre o assédio sexual que teria sofrido por parte de Melhem foi o que motivou Warchavsky a procurar ajuda. Ainda assim, a roteirista relata que ficou confusa, já que o Núcleo de Humor era um lugar onde ela queria estar.
“Quando eu entrei na redação, eu entendi que o ambiente era muito tóxico, mas ao mesmo tempo era o lugar que eu mais queria estar. Então, foi muito confuso para mim. As pessoas que estavam há mais tempo já entendiam um pouco como funcionava e como jogar com ele também”, disse.
Testemunhas de defesa
O colunista Guilherme Amado, do site “Metrópoles”, divulgou ainda que, ao longo desta sexta-feira e no fim de semana, também vai publicar falas de três pessoas que, segundo Marcius Melhem, poderiam dar depoimentos favoráveis a ele. Foram entrevistados os roteiristas Nelito Fernandes, um dos fundadores do coletivo de humor Sensacionalista, e Gabriela Amaral, que trabalhavam na redação do “Zorra”, e a diretora Alice Demier, que era uma das diretoras do programa. Amado informa que nenhum dos três aceitaram gravar a conversa em vídeo.
Marcius Melhem rebateu acusações e disse que deveria ter sido treinado para cargo de chefia
Em entrevista ao colunista Guilherme Amado, do site “Metrópoles”, Marcius justificou-se afirmando que o ambiente de trabalho era de humor e que as pessoas brincavam o tempo todo. Ela ainda afirmou que fez brincadeiras na época que, como chefe, não deveria ter feito.
“Eu nunca encostei pênis ereto em nenhuma mulher. Nunca forcei beijo. Eu tinha uma brincadeira com um redator de brincar, de chegar, só com os meninos e não todos, só com quem tinha mais intimidade. Que era chegar e encostar o pênis no homem. Não tinha nada de erótico nisso”, disse.
Melhem também afirmou que o episódio em que recebeu Luciana Fregolente de cueca, momento contato por ela em entrevista, era uma brincadeira do passado, um “trote”. “Você recebia a pessoa no primeiro dia de cueca. Homens e mulheres. Tomavam aquele susto, brincadeira babaca”.
Segundo o comediante, Luciana viu que estava perdendo espaço na emissora e que, por isso, deu o golpe: “Ela queria o crédito que ela não teve, ela saiu do Zorra porque estava sem ambiente”.
Ao longo da entrevista, Melhem também defendeu que deveria ter sido treinado pela Globo para exercer o cargo de chefia. “A TV Globo me chamou pra ser chefe e eu topei. O que eu acho que hoje já existe, eu deveria ter dito um treinamento. Olha, agora você não é mais colega, agora você é chefe. Isso você não pode mais fazer, ‘nos 50 anos da TV Globo já aconteceu isso, isso e isso’”,pontuou.
O ex-diretor ainda disse que ao longo da vida, em qualquer relação de trabalho, ele buscava falar com as pessoas quando notava que elas poderiam ter ficado chateadas.
Durante a entrevista, ele também rebateu acusações de que teria impedido Dani Calabresa de fazer alguns filmes. Melhem ainda diz que algumas pessoas foram convencidas que seriam vítimas. “Eu acho que tem gente aí de bom coração. Tem gente que está aí com sentimento de causa, de pertencimento, que inclusive nem sabe que é vítima. Que foi convencido por essa tríade”.