Você sabe como funciona uma pesquisa eleitoral? As épocas de eleições sempre são permeadas por discussões relacionadas às pesquisas, que, especialmente nos últimos pleitos, têm sido alvos de dúvidas dos eleitores. “Pesquisa eleitoral nunca funciona”, “Nunca fui entrevistado”, “Pesquisa é invenção da mídia”, “Por que aquela enquete a mídia não mostra?” são algumas afirmações que visam por em cheque a credibilidade das pesquisas.
E você? Acredita em alguma dessas afirmações? O Tempo conversou com o professor de Ciência Política da UFMG e diretor da Quaest Consultoria, Felipe Nunes, para te ajudar a entender um pouco mais sobre as pesquisas e os conceitos por trás delas.
Começando pela afirmação de quem acredita menos nas pesquisas porque nunca foi entrevistado, o professor explica que a chance é realmente muito pequena. A chance de qualquer pessoa ser entrevistada em Belo Horizonte, por exemplo, é de 0,005. Ou seja, um a cada 5 mil habitantes de BH será questionado em pesquisas que usem o cenário ideal pra cidade, que está entre mil e mil e duzentos entrevistados.
Esse número é definido na construção da amostra da pesquisa, que é o elemento mais fundamental para garantir maiores chances de acerto. Para criar uma amostra, os institutos identificam o perfil do eleitorado daquele determinado local de acordo com informações do Tribunal Superior Eleitoral.
A partir daí, são selecionados eleitores na proporção que corresponda à realidade. Por exemplo: se 52% do eleitorado é formado por mulheres, 52% da amostra também têm que ser. E ainda há outros níveis de separação, como escolaridade, renda, local onde mora, faixa etária e outros que precisam estar na amostra na mesma proporção da realidade.
Essa dinâmica pode ser comparada a exames de sangue. Na medição da glicose, por exemplo, você extrai uma quantidade muito pequena de sangue para entender o que está acontecendo com os seis ou sete litros que você tem no corpo. Você acha que seria necessário tirar mais sangue para trazer resultado?
Pesquisas eleitorais mudam o tempo todo
Pense bem. Dizer que uma pesquisa eleitoral nunca vai ser verdadeira porque elas trazem resultados diferentes entre uma e outra é a mesma coisa de você falar que não vai chover hoje porque não choveu ontem.
As pesquisas trazem uma expectativa do que deve acontecer de acordo com os ânimos da população. Tanto que mesmo que algumas campanhas descredibilizem as pesquisas, todas usam os resultados delas para definir estratégias para os candidatos.
A própria pesquisa pode influenciar na decisão de voto do eleitor, que pode acabar optando pelo chamado voto útil, que é aquele dado a quem o eleitor vê com mais chances de ganhar a eleição.
Existem duas razões importantes para que dificilmente haja pesquisas para vereadores ou deputados.
Nunes explica que a primeira é o fato de as pesquisas precisarem de um número menor de opções para serem eficazes. Na teoria, é o que os estatísticos chamam de número finito de opções. No caso dos vereadores e deputados, esse número é considerado infinito porque muitas vezes são milhares de candidatos.
O segundo motivo é o modelo das eleições para os cargos no Brasil, que obedece o modelo proporcional, o que torna mais difícil a previsão dos resultados por meio de pesquisas sérias. Neste link explicamos um pouco sobre esse sistema eleitoral e o quociente eleitoral, você pode assistir para entender melhor como são eleitos os vereadores no país.
É muito importante entender que enquete é diferente de pesquisa. Mesmo que a intenção das duas possa ser parecida, as metodologias, as formas como elas são feitas, são muito diferentes.
A principal diferença é a amostra, explicada anteriormente As enquetes não tem essa amostra e, por isso, trazem resultados enviesados.
Lei
Um outro ponto que impede a consideração das enquetes é a legislação. A imprensa não pode divulgar pesquisas que não estejam registradas no TSE. E no caso das enquetes, por não terem essa metodologia e amostra definidas, nem existe a possibilidade de registro porque essas informações são exigidas pela lei.
Esse registro é aquele número que todas as pesquisas divulgadas na imprensa trazem. Com ele, o eleitor pode consultar como aquele estudo foi feito, quem financiou e qual foi a amostra utilizada.
Conceitos
Entender alguns conceitos das pesquisas é importante para analisá-las no momento da divulgação. Entre eles:
Intervalo de confiança
O chamado intervalo de confiança de uma pesquisa, segundo explica Nunes, é o percentual de vezes em que aquela pesquisa traria o mesmo resultado do divulgado. Por exemplo, se uma pesquisa com intervalo de confiança de 95% coloca o candidato X vencendo o Y por uma vantagem N, se aquela pesquisa fosse feita novamente 100 vezes, ela traria esse mesmo resultado em 95 delas.
Margem de erro
A margem de erro de uma pesquisa é calculada com base no tamanho da amostra. O professor detalha que os institutos dimensionam a amostra para chegar a uma margem de erro tolerável. « Se trabalhamos em BH, por exemplo, com uma amostra de 600 casos, essa amostragem vai com um intervalo de confiança de 95% e a margem de erro será de quatro pontos percentuais. Se temos dois candidatos com diferença menor ou igual à margem de erro, temos que assumir que eles estão tecnicamente empatados », explica.
Registro das pesquisas eleitorais
As pesquisas devem ser registradas no TSE para terem validade legal. Isso porque, como explicado, o órgão determina uma série de regras para que os registros sejam feitos.
No entanto, segundo explica Nunes, o eleitor deve ficar atento à data da publicação do registro. « O ideal é registrar a pesquisa antes de ir a campo. As registradas depois devem acender um alerta para o eleitor, porque o instituto em questão pode ter esperado o resultado para decidir se publicaria ou não, o que é suspeito », orienta.
A página de registro de uma pesquisa, que pode ser acessada com o número dela, mostra dados como a amostragem, o período de realização, as perguntas e a ordem em que elas foram feitas, o número de pessoas entrevistadas, o método de entrevista (presencial, por telefone, em domicílio etc), o criterio de seleção dos entrevistados, que financiou a pesquisa, entre outras informações.
Por esses dados, o eleitor consegue, inclusive, conferir se a amostra da pesquisa corresponde ao todo, com todas as proporcionalidades obedecidas. Essa característica dá ao estudo uma maior probabilidade de acerto.
Pesquisas eleitorais na pandemia
No início da pandemia, os institutos de pesquisa, segundo conta Nunes, estavam trabalhando com levantamentos feitos por telefone. Agora, no entanto, com o movimento de flexibilização em vários municípios brasileiros, as entrevistas devem voltar a acontecer presencialmente, mas com todos os cuidados e treinamentos para entrevistadores e entrevistados.
Custo das pesquisas
O professor explica que o custo de uma pesquisa também diz muito sobre a assertividade dos resultados. « Pesquisas com metodologias mais assertivas têm um custo alto porque são feitas com equipes grandes, bem treinadas, o que encarece o processo. Já fizemos um estido mostrando que pesquisas mais baratas são aquelas que erraram mais na eleição », destaca.