Nos oito blocos temáticos de « Futurografia », novo livro do poeta e arquiteto João Diniz, apesar das especificidades intrínsecas a cada um, é possível localizar denominador comum: todos os poemas lidam com a ideia da passagem do tempo, como aponta o autor, que autografa a obra neste sábado, 7, das 11 às 14 horas, na Outlet de Livro, na Savassi – vale dizer que o evento será dividido com Rodrigo Leste, que, por sua vez, autografa « Monstro da Perfeição » (+Q1 Edições).
Editado pela Caravana Grupo Editorial, « Futurografia » tem textos escritos nos últimos cinco anos, sendo metade a partir de 2020. Neste último grupo, alguns se referem ao período inicial da quarentena. « Com a passagem das semanas e meses, foi preciso interagir com o momento e as características inéditas e duras daquela inesperada temporada », diz ele, referindo-se particularmente ao capítulo « Reclusologia », que reflete impressões daquele período.
Mas Diniz ressalta que mesmo antes do advento do Sars-Cov2 já vinha praticando o exercício de ‘resistir fazendo’: « Em função dos absurdos políticos e sociais dos últimos tempos ». « A pandemia reforçou essa resistência ativa e, graças a Deus, sobrevivi e pude colocar várias ideias em ação », explana.
O poeta salienta: « Eu antevia que muitas obras sobre a pandemia surgiriam, então quis mesclar essas impressões a outras, tendo o tempo como protagonista principal. Portanto, não é um livro (só) sobre a pandemia. Ela participa do conjunto escrito principalmente nesse trecho ‘Reclusologia’, e um pouco em ‘No ano que vem’ », aponta.
O capítulo 1, « Desvio do Já », diz ele, é um poema em seis partes. « O nome do capítulo faz menção à mudança do momento quando o texto, ou a poesia, acontece. Na verdade, é sempre um tempo especial e imprevisto que da origem ao gesto poético, o ‘espanto’ como disse Ferreira Gullar, por isso a menção ao ‘desvio’, ou à mudança da percepção cotidiana dos fatos ». O capítulo 2, « Futurografia », é o capitulo de 27 poemas que nomeia o livro e que, avisa ele, é uma espécie de « diário do futuro ». « O escritor se coloca como um observador da natureza externa e interna. Cada poema tem sua data de escrita, que vai de 2021 até 2222, assim, esse imaginário autor tem textos escritos para, e sobre, os próximos 200 anos (sic) ».
« Turma », o capítulo 3, Diniz diz ser uma espécie de celebração a todos os tipos de amizades, « listando pessoas que tanto nos ajudam a cruzar o tempo e suas adversidades ». Sobre o quarto, « Reclusologia », ele já discorreu acima. « Batismo », o quinto capítulo, seria uma espécie de oração para inaugurar a vida da pessoa que nasce. « Uma ‘tomada de posição’ em face a uma vivência que se inicia. Um tema existente na poesia, e que gosto, que é o de se ‘reescrever orações’ e já foi praticado por Fernando Brant, Lawrence Ferlinghetti e outros ».
« Adoração », o capítulo 6, é como o capítulo anterior, prossegue, um tipo de contrição espiritualizada, na qual se enumera o que o autor pensa que deve ser adorado numa perspectiva mística e sem doutrinas, indo além da religião e de rituais. O texto foi escrito no banco de traz de um carro em movimento, local muito usado para essa e outras escritas, quando o autor viajava por estradas da Bulgária numa pesquisa arquitetônica sobre « lugares sagrados ». « A ideia de tempo, nesse caso, se relaciona ao avanço do automóvel nos quilômetros da viagem ».
Logo a seguir vem « No Ano Que Vem », que ele enxerga como uma uma proposta e um desafio para um futuro próximo, listando o que se pode mudar de forma quase imediata e crítica para uma evolução dos tempos. « Esse texto nomeia o álbum recente do musico Rick Bolina, tendo se transforado numa canção ». Por último, mas não menos importante, há « Aurora », que corresponde ao despertar súbito de uma pessoa numa madrugada insone. « O texto vai listando, num crescendo, o que faz as pessoas acordarem, ou tomarem consciência de questões atuais íntimas, sociais e conjunturais ».
Confira, a seguir, outros trechos da entrevista
Em um trecho do livro, você fala em acionar o humanismo e serenidade… Pode destrinchar mais essa pontuação (presente em « na véspera »)? Essa ideia se refere a uma tentativa de evitar que a negatividade e a derrota dominem a situação. Mas também se a pessoa enxerga o momento apenas de forma individual e materialista, ela pode entrar em uma espécie de desespero solitário, então, o acionamento, conscientemente ou não, dos ‘mecanismos especiais’ de humildade, de compaixão e de reflexão silenciosa se tornam necessários para que se consiga algum tipo de paz, ainda que provisória. O medo, a insegurança, e a fraqueza física em relação à situação nova não podem ser encarados apenas racionalmente. Saúde é também uma questão de diciplina.
Você também fala « dos irados, dos contaminados pela intolerância e arrogância ». Como viver neste mundo tão árido, tão destituído de empatia, tão violento, no qual a poesia acaba exercendo um papel de resistência? Esses são os personagens que ficaram mais em evidência nesse momento pandêmico, os que tentavam minimizar a situação ou beneficiar-se autoritariamente dela. A polarização que surgiu, por parte desses personagens, entre saúde publica e economia, por exemplo, me pareceu absurda, como se estes não fossem valores complementares. As mais de 650 mil mortes pareceram não significar muito para esses algozes do momento que tentavam transferir a outros as suas responsabilidades pelo descaso e respectivas consequências. Foi um momento no qual os dirigentes tiveram chance de demonstrar sua possível grandeza, mas que confirmou que essa não existia. Os verdadeiros heróis do momento foram as pessoas que encaram de frente e na prática o momento: o pessoal da área médica, voluntários, entregadores, artistas, alguns setores da imprensa, pessoas que se reinventaram profissionalmente, e muitos outros. Os grandiosos são os pequenos.
Que outros projetos vem tocando? Na esteira do ‘resistir fazendo’ abri umas frentes recentes que vão se realizando aos poucos. Continuo onde sempre estive, atuando com meu escritório de projetos que não parou durante a pandemia, e também dando aulas no curso de arquitetura da Universidade Fumec em BH. No próximo dia 19, devo abrir uma grande exposição, ‘Poematéria: arquitetura da palavra’, que investiga ações autorais em torno do texto poético em suportes imprevistos como pinturas, desenhos, esculturas, vídeo, objetos e design. A maioria dessas obras foram feitas a partir de 2019, e essa exposição será na Grande Galeria do Centro Cultural da UFMG e poderá gerar um novo livro. Também em 2022 espero concluir meu doutorado na UFMG, onde analiso os processos de projeto de 12 das sobras de arquitetura que construí nos últimos 40 anos, além de propor um método próprio de análise de arquiteturas e de outras artes. Isso pode também gerar um novo livro, o ‘Sementes do espaço: arquiteturas em processo’, que é o nome da tese orientada pela prof. Maria Lucia Malard.
Serviço
Lançamento de ‘Futurografia’
Neste sábado, das 11 às 14 horas
No Outlet de Livro (rua Paraíba 1419, Savassi)